miércoles, 17 de marzo de 2010

Brasil: Cutrale se aproveita de quase cem anos de abandono para grilar terras

Para especialista, compradores de terras no Núcleo Monção, ocupadas pelo MST no ano passado, também são culpados

Eduardo Sales de Lima
da Redação

A chamada grande mídia, chefiada pela Rede Globo, utilizou, recentemente, todo seu arsenal para criminalizar os militantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por este ter ocupado e destruído pés de laranjas, em setembro do ano passado, em uma fazenda na região de Iaras, interior de São Paulo. Mas não disse que a área – denominada Núcleo Monção – é pública e que a empresa Cutrale está lá ilegalmente.

O chamado Núcleo Monção, formado por cerca de 50 mil hectares que abrangem municípios como Iaras, Borebi, Lenções Paulista, fica no centro geográfico do estado de São Paulo. É uma área formada por oito grandes fazendas, obtidas por execução fiscal de dívidas e por compra da União, em 1910. Até hoje, as terras do Núcleo Monção são consideradas públicas, pertencentes à União. No começo do século passado, a região fazia parte de um dos objetivos do governo federal para interiorizar a ocupação do território, assentando trabalhadores.

Abandonado por décadas, os problemas jurídicos envolvendo essas terras refletem o descaso de várias governos em relação à reforma agrária no país. Nesse período, vários “particulares”, entre pessoas e empresas, invadiram esses 50 mil hectares, aprofundando o processo de grilagem na região.

Atualmente, a empresa de Suco Cítrico Cutrale é a grileira da vez. Para Antônio Oswaldo Storel Júnior, engenheiro agrônomo e doutorando do Instituto de Economia da Unicamp, o cartório tem obviamente responsabilidade na Justiça, mas quem compra também. Para ele, que também é ex-técnico do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), “contra o patrimônio público, o crime não prescreve. É semelhante a quando se compra carro roubado: se a polícia identifica que o carro é roubado, você vai ter que devolvê-lo”, explica.

“Dentro do Núcleo Monção, o Incra possui cerca de 56 ações reivindicatórias de terras. Alguns 'proprietários' que fizeram acordo com o Incra reconheceram que a terra era da União e as entregaram. A empresa de celulose e papel Luarcel abraçou essa oportunidade”, explica Storel.

O espaço físico da Cutrale não bate com o que ela afirma em sua matrícula. Os 2.395 hectares dos quais a empresa se diz dona estão divididos em duas matrículas. Uma de 870 hectares, que está documentada na cidade de Cerqueira César; e outra, de 1458 hectares, em Lençóis Paulista. Na primeira matrícula, de 1984, encontram-se 200 hectares não declarados. Portanto, a ocupação total é de aproximadamente 1100 hectares. O local onde houve a derrubada de laranjeiras está localizada nessa área. Foi o cartório de Cerqueira César que registrou as terras em nome da Cutrale, mesmo sem o georreferenciamento, o que contraria a lei. Na segunda matrícula, datada de 1983, são ocupados 133 hectares a mais do que os 1458 registrados.

A possibilidade aberta para a compra dessas terras pela Cutrale provém de ação de usucapião de 1970, promovida pelo ex-governador do estado de São Paulo, Adhemar de Barros. No entanto, a empresa ainda não obteve o registro dessa área em razão da não certificação do georreferenciamento, negado pelo Incra, por ser uma área pública. Um detalhe: não existe usucapião em terras públicas.

Todo esse imbróglio jurídico tem um significado: a Cutrale teria agido de má-fé. De acordo com a procuradora federal Maria Cecília Ladeira de Almeida, a lei exige que o Incra certifique, antes das transferências de posse, o georreferenciamento do imóvel: o cartório é obrigado a pedir essa certificação para fazer essa mudança de posse. “Essa empresa [Cutrale] foi comunicada pelo Incra, no processo de certificação, que se tratava de um imóvel da União, antes de ela comprar. A partir dessa informação, o cartório não poderia registrar”, explica a procuradora. “Como a Cutrale sabia, ela não pode alegar que as benfeitorias realizadas no imóvel, as laranjeiras, as casas, são de boa-fé. Isso quer dizer que essas benfeitorias não devem ser indenizadas”, salienta.

Como dispositivo de defesa na Justiça, a empresa chegou até mesmo a se valer de um decreto do ex-presidente Fernando Collor que revogava a criação do Núcleo Monção. Mas “não houve destaque no título da União”, de acordo com o engenheiro agrônomo Antônio Storel, que explica: “Mesmo com o núcleo extinguido, não afetaria a questão das propriedades. O que manda na propriedade é o título. As terras são públicas e da União”.

BRASIL DE FATO

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